Acesse o post 1 aqui, e o 2 aqui.
Post 3 de 5.
Rio de Janeiro, 17 de junho
Dois dias depois fomos à
manifestação no Rio. E do outro lado da poça eu sabia que seria diferente. Já
tinha tido uma prévia na remoção da Aldeia Maracanã, e vi que lá o Choque não
brincava de jogar bomba... Era quase guerra civil. Comprei máscara pra gás e
óculos de proteção em uma loja de segurança do trabalho, e mais uma garrafa de
vinagre. Andamos por três horas pela Avenida Rio Branco, e vibramos quando
alguém gritou que éramos cem mil nas ruas.
Vi
pessoas entoando o grito do Brasil, com suas bandeiras enroladas no corpo como
um manto, e me perguntei o porquê de tanto patriotismo. Será que aquelas
pessoas entendem o que é “Ordem e Progresso”, escrito na bandeira que seguravam
com tanto orgulho? Me recusei a cantar o hino, e segui calada boa parte da
passeata, porque os gritos de ordem caiam em esquecimento quando alguém puxava
o hino nacional.
Então um grupo menor destacou-se das cem mil
pessoas e seguimos em direção à ALERJ. Enquanto caminhávamos vi pessoas tirando
seus vinagres de dentro da mochila, e fiz o mesmo. Segui de mãos dadas com meu
namorado e meus amigos e já começamos a ouvir os barulhos de bomba e os gritos
de “não corre!”, por parte dos que estavam na linha de frente. Eu estava tão
revoltada que volta e meia tirava minha máscara do rosto para gritar, xingar,
espernear contra toda aquela violência por parte dos policiais, quando vi um
garoto sair carregado no colo, pois havia sido atingido por uma bala de fogo na
perna.
Foi
a vez que mais senti medo. Temi pela minha vida e pelas pessoas que estavam
comigo. Sabia que o melhor a fazer era ir embora, mas eu sentia que aquela
batalha também era minha. Por todos os absurdos que acontecem diariamente. Não
apenas comigo, classe média, que “posso pagar os quarenta centavos a mais”.
Minha revolta era por saber que a forma que a polícia estava agindo não era
exceção. Muito pelo contrário, é como age diariamente nas favelas, a diferença
é apenas no tipo de arma. Sabia que eu estava temendo pela minha vida daquela
forma, mas era pela primeira vez, enquanto aqueles que são oprimidos
provavelmente sentem isso todos os dias.
Continuamos
na resistência, lutando pra respirar e não correr quando mais bombas
estouravam, e era difícil registrar tudo que estava acontecendo. Colocaram fogo
no carro ao meu lado, fizeram uma roda e dançaram. Os rostos dos policiais com
um misto de ódio e medo. De repente as bombas pararam, os sprays também, e só
os manifestantes continuavam colocando fogo em lixo, fazendo barricadas e
gritando, quase comemorando vitória, pois as armas da polícia tinham esgotado.
A ALERJ estava tomada, os policias acuados, e nós, os manifestantes, nem
sabíamos o que fazer.
Eu
via toda aquela cena, todo aquele fogo, os bancos destruídos, sendo saqueados e
eu me perguntava: “como as pessoas podem condenar isso?”. Como as pessoas podem
chamar seus irmãos de luta de vândalos e questionar a quebra de impérios – como
os bancos – quando tanta vida é tirada diariamente nas favelas? Como as pessoas
se queixam de picharem prédios públicos quando centenas de pessoas foram
obrigadas a deixar suas casas por conta dos megaeventos? Como poderíamos
repreender aqueles que foram oprimidos a vida toda e, pela primeira vez,
conseguiram espaço para expressar sua revolta? Eu tive a certeza de que vândalo
é o Estado, e que você pode não concordar com a “violência” e os “atos de
vandalismo”, mas é hipocrisia dizer que não os entende.
Mas é mentira se eu disser que formulei tudo
isso enquanto ainda estava naquele cenário de guerra civil. Eu andei calada,
olhando pra todos os lados, provavelmente com olhos arregalados, segurando
forte a mão do meu namorado e sem acreditar que tudo aquilo finalmente estava
acontecendo no meu país. Mas o pior foi chegar em casa e assistir a cobertura
da mídia.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Fale você também ;)