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29 de julho de 2013

A revolta será curtida e compartilhada (3)

Esta série de posts (que na verdade é só um, dividido para facilitar a leitura) foi um relato pessoal produzido sobre as primeiras manifestações ocorridas nas cidades de Niterói e Rio de Janeiro. Ele está um pouco desatualizado, porque não leva em consideração a continuação dos protestos, mas acho importante deixar registrado aqui - até mesmo para que eu tenha acesso no futuro.
Acesse o post 1 aqui, e o 2 aqui                                                                
                                                               Post 3 de 5.


                           Rio de Janeiro, 17 de junho


            Dois dias depois fomos à manifestação no Rio. E do outro lado da poça eu sabia que seria diferente. Já tinha tido uma prévia na remoção da Aldeia Maracanã, e vi que lá o Choque não brincava de jogar bomba... Era quase guerra civil. Comprei máscara pra gás e óculos de proteção em uma loja de segurança do trabalho, e mais uma garrafa de vinagre. Andamos por três horas pela Avenida Rio Branco, e vibramos quando alguém gritou que éramos cem mil nas ruas.

Vi pessoas entoando o grito do Brasil, com suas bandeiras enroladas no corpo como um manto, e me perguntei o porquê de tanto patriotismo. Será que aquelas pessoas entendem o que é “Ordem e Progresso”, escrito na bandeira que seguravam com tanto orgulho? Me recusei a cantar o hino, e segui calada boa parte da passeata, porque os gritos de ordem caiam em esquecimento quando alguém puxava o hino nacional.

 Então um grupo menor destacou-se das cem mil pessoas e seguimos em direção à ALERJ. Enquanto caminhávamos vi pessoas tirando seus vinagres de dentro da mochila, e fiz o mesmo. Segui de mãos dadas com meu namorado e meus amigos e já começamos a ouvir os barulhos de bomba e os gritos de “não corre!”, por parte dos que estavam na linha de frente. Eu estava tão revoltada que volta e meia tirava minha máscara do rosto para gritar, xingar, espernear contra toda aquela violência por parte dos policiais, quando vi um garoto sair carregado no colo, pois havia sido atingido por uma bala de fogo na perna.

Foi a vez que mais senti medo. Temi pela minha vida e pelas pessoas que estavam comigo. Sabia que o melhor a fazer era ir embora, mas eu sentia que aquela batalha também era minha. Por todos os absurdos que acontecem diariamente. Não apenas comigo, classe média, que “posso pagar os quarenta centavos a mais”. Minha revolta era por saber que a forma que a polícia estava agindo não era exceção. Muito pelo contrário, é como age diariamente nas favelas, a diferença é apenas no tipo de arma. Sabia que eu estava temendo pela minha vida daquela forma, mas era pela primeira vez, enquanto aqueles que são oprimidos provavelmente sentem isso todos os dias.

Continuamos na resistência, lutando pra respirar e não correr quando mais bombas estouravam, e era difícil registrar tudo que estava acontecendo. Colocaram fogo no carro ao meu lado, fizeram uma roda e dançaram. Os rostos dos policiais com um misto de ódio e medo. De repente as bombas pararam, os sprays também, e só os manifestantes continuavam colocando fogo em lixo, fazendo barricadas e gritando, quase comemorando vitória, pois as armas da polícia tinham esgotado. A ALERJ estava tomada, os policias acuados, e nós, os manifestantes, nem sabíamos o que fazer.

Eu via toda aquela cena, todo aquele fogo, os bancos destruídos, sendo saqueados e eu me perguntava: “como as pessoas podem condenar isso?”. Como as pessoas podem chamar seus irmãos de luta de vândalos e questionar a quebra de impérios – como os bancos – quando tanta vida é tirada diariamente nas favelas? Como as pessoas se queixam de picharem prédios públicos quando centenas de pessoas foram obrigadas a deixar suas casas por conta dos megaeventos? Como poderíamos repreender aqueles que foram oprimidos a vida toda e, pela primeira vez, conseguiram espaço para expressar sua revolta? Eu tive a certeza de que vândalo é o Estado, e que você pode não concordar com a “violência” e os “atos de vandalismo”, mas é hipocrisia dizer que não os entende.

 Mas é mentira se eu disser que formulei tudo isso enquanto ainda estava naquele cenário de guerra civil. Eu andei calada, olhando pra todos os lados, provavelmente com olhos arregalados, segurando forte a mão do meu namorado e sem acreditar que tudo aquilo finalmente estava acontecendo no meu país. Mas o pior foi chegar em casa e assistir a cobertura da mídia. 

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