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30 de março de 2013

Reflexão sobre a lei seca

Este artigo foi escrito por mim (Gabriela Vasconcellos) e Marcela Macêdo para a disciplina de Jornalismo e Criminologia da Universidade Federal Fluminense.





Desde pequenos ouvimos que quem tem um carro possui, de alguma forma, uma arma; quando ficamos mais velhos, esse discurso começa a ser reiterado pelos pais, preocupados não só com a integridade física e moral de seus filhos, mas com a das possíveis vítimas. E de fato somos em algum sentido obrigados a concordar, se levarmos em conta as atrocidades que podem ser cometidas por quem dirige. Cotidianamente presenciamos discussões de trânsito devido a alguma “barbeiragem” de algum motorista. Elas podem incluir desde um avanço de sinal até uma ultrapassagem mal feita. É difícil saber se são cometidas por pessoas que simplesmente pagaram por sua carteira de habilitação, ou ainda por pessoas que acreditaram sair da autoescola sabendo dirigir, ou ainda pior, por pessoas que nem mesmo a carteira possuem.

            Acidentes acontecem todos os dias e infelizmente também todos os dias os mesmos geram vítimas. O grande problema é quando somente uma causa é atribuída a essa questão. A incontrolável necessidade da sociedade em geral, com ênfase na grande mídia, de procurar incessantemente por culpados para cada folha que cai no chão ganha agora os acidentes de trânsito. O culpado da vez: o álcool. O álcool que é responsável por todas as irresponsabilidades cometidas pelos motoristas do Brasil. A partir dessa premissa dita inquestionável, nega-se ou pelo menos se omite todos os outros culpados (se é que se pode usar diretamente essa palavra) pelos tais acidentes.

            Uma causa natural que quase não é citada é a distração. A distração que pode ser dada de diversas maneiras, como uma simples troca de estação no rádio, ou uma conversa com quem está no banco do carona, ou pelo sono. Há ainda outra causa decorrente de fatores externos, como um pedestre irresponsável ou um animal na pista. É impossível discorrer sobre todos os motivos que podem levar a um acidente. No entanto, é inegável que a mídia abstrai alguns motivos porque naturalmente estes convêm ser abstraídos. Ou seria interessante para as grandes empresas que a venda de celulares seja prejudicada por simplesmente distrair a atenção de pedestres? Ou pegando ainda um exemplo mais rasteiro: alguém já parou para pensar com que propósito estariam aqueles imensos outdoors fazendo publicidade em locais que quase não passam pedestres há não ser ganhar a atenção dos motoristas?

            No entanto é mais fácil colocar toda a culpa no álcool, a bola da vez; e para tentar reprimi-lo a ideia mais brilhante em forma de lei: a Lei Seca.


Histórico


A Lei Seca Norte Americana entrou em vigor no ano de 1920, através da 18ª emenda à Constituição, que proibia a fabricação, o transporte, a comercialização, exportação, importação e o consumo de bebidas alcoólicas dentro do país. A medida visava acabar com a pobreza e a violência, pois a bebida era vista como a responsável por todos os males que afligiam os EUA. A grande desculpa para o governo implementar a Lei era poupar os cidadãos, protegê-los dos perigos do álcool.

Encontramos aí a grande coincidência, além do nome, que nos fez utilizar neste artigo uma comparação entre as duas leis secas, separadas por quase duas décadas de distância (se comparada à lei que está vigente no atual momento no Brasil, de 2012), mas cujo objetivo, teoricamente, é proteger os cidadãos.

No Brasil, a primeira lei a condenar o uso de álcool no volante veio em 1967, com o Código de Trânsito. Embriaguez ao volante (considerada a partir de seis decigramas de substância etílica por litro de sangue) seria considerada uma infração administrativa. É importante frisar que tal concentração só poderia ser comprovada através do bafômetro ou de exames de sangue, devidamente autorizados pelo motorista.

Apenas em 2006 a lei foi revista e sofreu uma alteração radical: não se fazia mais necessário uma medida quantitativa da substância etílica, apenas a identificação de que o motorista dirigia sob influência de bebidas alcoólicas. Em 2008, a lei foi editada, desta vez no que toca as consequências aos cidadãos que a descumprem. Sob o nome de lei seca, pregando a “tolerância zero” para a combinação volante mais álcool, o modelo falido, de quantificar a quantidade de álcool por litro de sangue voltou à vigência. 

Dois anos depois, em 2010, a fiscalização se intensificou muito, através das “blitzes” facilmente identificáveis por balões com os dizeres “Lei Seca”, e no final de 2011 a lei sofreu mais alterações. Ficou estabelecido que motoristas com nível de álcool acima do permitido (0,1 mg/l de sangue) teriam que pagar multa, além de ter o carro apreendido e perder a habilitação.  Além disso, acima de 0,3 mg por litro de sangue, o motorista poderia pegar de seis meses a um ano de detenção. Em dezembro de 2012, a lei sofreu nova alteração. O valor da multa aumentou consideravelmente, mas outra mudança também chamou atenção: agora, o bafômetro não é o único meio de comprovar a embriaguez. Nem o exame clínico. Um mero vídeo ou uma prova testemunhal são considerados válidos para enquadrar um motorista como inapto a dirigir um veículo por ter consumido bebida alcoólica. Este modelo é o que está vigente hoje.

Outra coincidência interessante entre as duas leis secas toca no aspecto religião. No Brasil, o autor da lei é o deputado Hugo Leal (PSC-RJ). O partido do deputado é um dos mais notáveis dentro da bancada evangélica no Congresso Nacional. Já nos EUA, a Igreja teve forte influência para a proibição das drogas, sempre pautada em princípios morais.


Por trás das boas intenções


É importante analisarmos as coisas a fundo e buscar entender as motivações por trás dos panos, das boas intenções. Tanto no caso norte-americano quanto aqui no Brasil, é possível identificar questões econômicas e políticas.

No caso dos EUA, precisamos tomar como partido o forte nacionalismo presente no país, principalmente naquela época (1920-1934). As pessoas que se beneficiavam do comércio de bebidas alcoólicas eram, em sua grande maioria, imigrantes. A cerveja, o vinho, o rum, ou seja, as bebidas que eram consumidas na época eram típicas de outros países e consideradas como um mal, ou seja, um desvio que não deveria estar presente na sociedade. Mais tarde, Durkheim desconstroi essa teoria, como afirma Baratta:

“A teoria estrutural-funcionalista de Durkheim e, depois, de Merton, rejeitaria o princípio do bem e do mal: o desvio seria fenômeno normal em determinados limites, funcional para o equilíbrio social e reforço do sentimento coletivo, anormal apenas na hipótese de anomia, caracterizadas por desequilíbrios na distribuição de meios legítimos para realizar metas culturais de sucesso e bem-estar.” (BARATTA, 1999, p.10)

Por conta das guerras que o país participou, fez-se necessário poupar diversos produtos que eram matérias primas das bebidas. Os interesses dos donos das fábricas sobressaiam frente ao governo, portanto, ambos queriam aumentar a produtividade nas fábricas, e viam no álcool um obstáculo. Os proletários faziam uso da bebida para fugir da realidade, uma prática comum em diferentes países desde a revolução industrial.
Ainda na questão do nacionalismo, o país possuía (como ainda possui) um medo tremendo do chamado “antiamericanismo”. Com o fortalecimento da causa operária, os partidos de esquerda começaram a se multiplicar, com a presença de inúmeros imigrantes. O governo passou a implementar uma série de medidas para controlar esse “antiamericanismo”, entre elas a Lei Seca.

Já no caso brasileiro, é fácil perceber que um dos grandes objetivos do governo ao instituir a lei seca foi a arrecadação. A multa, que em 2011 passou a ser R$957,70 e agora é R$1915,30, gerou, apenas no primeiro dia da operação no estado do Rio, mais de 135 mil reais, seguindo a premissa do sistema capitalista de privilegiar a classe superior.

“Assim, a seleção legal de bens e comportamentos lesivos instituiria as desigualdades simétricas: de um lado, garante privilégios das classes superiores com a proteção de seus interesses e imunização de seus comportamentos lesivos, ligados à acumulação capitalista; de outro, promove a criminalização das classes inferiores, selecionando comportamentos próprios desses segmentos sociais em tipos penais.” (BARATTA, 1999, p.15)

Segundo reportagem publicada em O Dia na última segunda-feira, 18, em quatro anos de vigência da lei no estado do Rio, 1.075.566 motoristas foram parados nas blitzes, dos quais foram 204.563 multados. Colocando uma média de 980 reais a multa (sem considerar o valor alterado, que é muito recente), o gigantesco número de motoristas multados representa um ganho de mais de duzentos milhões de reais, apenas no estado do Rio, em quatro anos. Divididos por mês, representaria uma receita de mais de quatro milhões por mês. 

            Além disso, é importante citar que o valor da multa foi alterado em meados de dezembro do ano passado, em plena época de festas (natal, réveillon e, é claro, carnaval), onde os acidentes nas estradas crescem consideravelmente e, junto com isso, a arrecadação do governo. Não só o aumento aconteceu em uma época interessante, como a porcentagem de aumento foi assustadora – mais de 100%.



Dados e Números


Acidentes de trânsito são uma das maiores de causas de óbitos no Brasil. Segundo dados do Ministério da Saúde, em 2010 mais de 43 mil pessoas morreram decorrentes de acidentes de transporte, o que equivale a quase 110 pessoas por dia.

Foi divulgado, em fevereiro deste ano, um estudo feito pelo Ministério da Saúde que mostra que uma em cada cinco vítimas de trânsito atendidas nos prontos-socorros brasileiros ingeriram bebida alcoólica. 

Nesse sentido, a Lei Seca aparece como excelente medida para prevenir os acidentes fatais nas estradas brasileiras. Um exemplo é que logo no ano de sua reformulação, 2008, a Lei Seca “tolerância zero” reduziu em 6,2% o número de acidentes no trânsito em todo país, se comparado ao mesmo período do ano anterior. A queda de óbitos foi ainda maior: redução de 7,4%.

O Rio de Janeiro é o estado brasileiro que possui o título de campeão de resultados. Em 2007, antes da Lei Seca, os números eram assustadores: 983 pessoas morreram apenas na capital do estado. Em 2009, já com a Operação, implementada em março, esse número caiu para 676, ou seja, uma redução de mais de 30% em dois anos.
         
            No carnaval deste ano, 2013, com a Lei Seca sendo a mais rigorosa de todos os tempos, os resultados também são relevantes: nos três primeiros dias de folia, o número de mortes nas rodovias federais caiu 25,4% em relação ao mesmo período de 2011, quando a multa ainda era de R$955,00.


                                  
Credibilidade 

Apesar de os resultados parecerem ótimos, é necessário pensarmos na credibilidade desta lei.

O primeiro ponto a ser tocado é a relativa facilidade em burlar a blitz, pelo menos no Rio de Janeiro. O microblog twitter avisa aos seus 470 mil seguidores onde estarão os carros que fiscalizam motoristas. Assim, já é de praxe nas saídas dos bares, restaurantes e boates homens e mulheres pegarem seus smartphones para, só depois de conferir o twitter da Lei Seca, escolher seu trajeto. Algumas vezes, obviamente, não dá pra fugir e o jeito é pegar um táxi. 

Outro ponto é a forma de seleção dos motoristas que vão ser parados. Baseados em que os agentes da Lei Seca escolhem suas “vítimas” a serem fiscalizadas? No tipo do carro, na “cara” do motorista, na quantidade de pessoas que estão sendo transportadas? Tudo é muito nebuloso e sem grandes definições, o que nos faz pensar que elas simplesmente não existem.

A alteração na lei, em dezembro de 2012, abriu precedência para outra questão que pode afetar a credibilidade. A possibilidade de um vídeo e/ou testemunho servirem como prova. Dessa forma, o motorista se vê na palma da mão dos agentes da Lei Seca, que podem chantageá-lo ou simplesmente forjar uma prova por alguma razão. Além disso, aumenta-se consideravelmente a possibilidade de pagamentos de suborno, prática que sabemos, é muito comum em todo país. Existe também a questão do perigo de não saber de que formas o vídeo pode ser utilizado. 


Insuficiência x exagero?


            Por conta de tudo que foi citado acima, fica fácil assumir uma postura de que a lei seca brasileira é insuficiente para dar conta da prevenção de acidentes no trânsito. No entanto, é considerada uma das mais rigorosas do mundo. Por isso temos esse paradoxo: a lei seca é insuficiente ou é “exagerada”?

            Medir a quantidade de álcool no sangue do indivíduo, assumir a premissa de que ele está embriagado e que tal fato gerará determinadas reações em seu sistema nervoso, com determinadas consequências para o trânsito, como tirar a vida de pessoas, é negar o que já é comprovado há muito pela ciência: que cada organismo reage de maneira diferente a situações diferentes, inclusive no que diz respeito às bebidas alcoólicas.

            Mesmo porque não há dúvidas de que existem outros fatores que podem causar acidentes no trânsito. E aqui, não nos referimos somente a outras “drogas”.  (Por drogas entende-se, segundo a definição da medicina, todo tipo de substância capaz de alterar as funções de organismos vivos). O próprio stress no trânsito, a desatenção, o uso do celular, do rádio, da TV, a falta de fiscalização no veículo, as poucas horas de sono e outras tantas coisas podem ser as causas dos acidentes que ocorrem nas rodovias cotidianamente. Todos esses exemplos e muitos outros (uso de cocaína, maconha, heroína, etc.) podem ou não alterar a atenção, o reflexo e a agilidade do motorista.

            Apesar disso, precisa-se levar em consideração que criar leis para prevenir todo e qualquer tipo de acidente faria com que nosso Estado se tornasse cada vez mais punitivo. Insistir na punição pode ser um erro, quando já está provado que ela traz efeitos muitas vezes catastróficos.


O Proibicionismo

            Pode-se considerar que o proibicionismo teve sua origem nos Estados Unidos, em 1909, quando o consumo do ópio foi proibido.  A cocaína e a heroína seguiram pelo mesmo caminho logo em 1914, e em 1919 foi aprovada a Lei Seca.  

            Esta última foi considerada o maior fracasso legislativo de todos os tempos. A proibição aumentou os bares clandestinos e também criou os grandes chefes da máfia (como Al Capone). Pode-se dizer que foi a partir dela que o crime organizado teve início. Isso porque a lei foi ignorada por diferentes setores da sociedade, inclusive por pessoas que antes não consumiam bebidas alcoólicas, mas que com a proibição passaram a se sentir instigadas a consumir. Em 1933 o então presidente Franklin Roosevelt reconheceu a ineficiência da lei e a aboliu e, assim, boa parte do crime organizado norte americano foi á falência.

            Mas as consequências da proibição ultrapassaram fronteiras: países como Colômbia, Peru e Bolívia se tornaram a casa de gigantescos grupos que traficavam drogas para abastecer o mercado norte americano.

            Aqui cabe retomar o que foi dito quando fizemos o histórico da Lei Seca. Todas as medidas proibicionistas, tanto nos EUA quanto no Brasil, tiveram um caráter de repressão às minorias, principalmente imigrantes, negros e pobres. 

            Neste momento, discute-se em todo o mundo a questão da legalização das drogas. Alguns países já avançaram na discussão, outros já legalizaram a maconha, por exemplo. Aqui no Brasil, a discussão ainda rasteja pautada em princípios morais – os mesmos que foram fundamentais para a criação da lei seca nos EUA.

             Já é comprovado que quem mais se beneficia com a proibição das drogas é o traficante, e que esta é uma guerra perdida, pois o ser humano sempre utilizou drogas e sempre vai criar maneiras de continuar utilizando. Obviamente a discussão deste artigo não é sobre a liberação de drogas, mas é importante pensar em como o Estado brasileiro controla a vida privada de seus cidadãos, e que isto pode se mostrar eficaz num primeiro momento, mas depois o indivíduo vai descobrir formas de continuar fazendo aquilo que quer, burlando a lei e, assim, tornando-se um criminoso.

            O problema não está na droga em si, e, portanto, ela não pode nem deve ser considerada a causa dos males, incluso os acidentes de trânsito. Os problemas relacionados à droga decorrem da ausência de políticas públicas no campo da educação, saúde e igualdade social, e no caso da Lei Seca não é diferente.

            A guerra às drogas, em suas mais diferentes esferas, já se mostrou ineficaz. O crime organizado, o “jeitinho”, o suborno, o tráfico, etc. são consequências negativas de uma política restritiva que visa prevenir o imprevisível – controlar o ser humano, suas ações e emoções; prever o futuro, quantificar riscos e punir sem educar.


O papel da Mídia e a Cobertura Midiática

            Cabe a nós, jornalistas, questionar o papel da mídia nesse processo. Analisando historicamente, ela foi uma das principais responsáveis por legitimar essa política de proibição. As propagandas veiculadas sempre “vilanizaram” as drogas e eram, e ainda são responsáveis por criar e manter uma sensação de medo e insegurança constante na população. É interessante, inclusive, observar a repetição de discursos: na década de 20, a droga considerada destruidora de lares, responsável por criar comportamentos violentos nos homens era a maconha. A heroína e cocaína também já tiveram esse destaque. Agora não é difícil descobrir qual é o grande vilão: o crack, sob os mesmos argumentos. Baratta atenta a esse aspecto:

            “(...) A teoria descreveria os mecanismos de criminalização e estigmatização, mas não explicaria a realidade social nem o significado do desvio, dos comportamentos socialmente negativos e da criminalização- justificando, portanto, a crítica de parecer a outra cara da ideologia oficial.” (BARATTA, 1999, p.10)

            Numa posição mais discreta, encontramos a mesma mídia vangloriando a Lei Seca, colocando-a num patamar acima de críticas e questionamentos, uma vez que seus ganhos foram muito grandes (em termos de vida). Isto representa um grande impedimento para que não só a nossa constituição, mas o debate possa avançar.

            Além disso, o velho ponto do papel que a mídia precisa cumprir na educação e conscientização acaba sendo deixado de lado. Apesar de a presidente Dilma Rousseff ter sancionado a nova lei seca em plena época de festas (dezembro de 2012), a medida não foi acompanhada de uma campanha de conscientização, mesmo sendo comprovado que o número de acidentes nas estradas cresce consideravelmente nesta época do ano.

            Uma das razões pode ser a ineficácia da propaganda de conscientização do trânsito. De fato, tais propagandas nunca tiveram muito apelo perante a população. No entanto, a ineficácia das propagandas de conscientização, se contrapõe com a mesma ineficácia de colocar apenas no final dos grandes comerciais de cerveja o “se beber não dirija”. Essa frase, que aparece como detalhe, é muito insignificante perto do restante do comercial, onde homens e mulheres aparecem felizes sempre com um copo de bebida alcoólica na mão, sendo esta indispensável em qualquer ambiente onde o objetivo é se divertir. 

             Nesse sentido, a mídia, que não quer perder seus grandes anunciantes, torna-se ainda mais cruel, afinal, morte é notícia, acidente de carro é notícia. A redução de acidentes também é notícia, mas apenas quando se tem uma causa conhecida, causa esta que a mídia consiga identificar e explicar. A Lei Seca, portanto, foi a saída perfeita. Um prato cheio para a mídia sensacionalista que começou a filmar e publicar famosos e não famosos se recusando a fazer o teste do bafômetro, ou flagrados, ou fugitivos da blitz


O Caso específico

            A prova de que leis preventivas não podem salvar o planeta dos acidentes de trânsito é o recente caso noticiado pela mídia do jovem ciclista atropelado na Avenida Paulista, em São Paulo. David Santos Sousa pedalava em direção ao trabalho quando foi surpreendido por um carro, dirigido por outro jovem que voltava de uma boate. A polícia que investigou o caso visitou a boate onde o responsável pelo acidente esteve e ao ter acesso à conta paga pelo motorista Alex Siwek, constatou que o mesmo havia ingerido álcool antes de dirigir.

            O que mais chocou nesse caso não foi o fato de um ciclista ter sido atropelado. Isso acontece todos os dias. O grande diferencial foi que, com o impacto do acidente, o braço de David foi amputado e Alex, desesperado, jogou o membro num córrego. 

            Tal fato foi visto como crueldade, sangue frio e as hipóteses de que Alex não estaria em seu estado normal começaram a ler levantadas por parte do público indignado.

            Nessas horas a indignação, somada à cobertura midiática, faz com que a população clame por mais rigor, por medidas cada vez mais punitivas e restritivas, como prevê a sociologia jurídica, segundo Baratta:

“(...) entram, por exemplo, no campo da sociologia jurídica, o estudo da ação direta e indireta de grupos de interesse na formação e aplicação do direito, como também a reação social ao comportamento desviante, enquanto precede e integra, como controle social não-institucional, o controle social do desvio, por meio do direito e dos órgãos oficiais de sua aplicação.” (BARATTA, 1999, p.22-23)

            O povo e a mídia tornam-se um coro que clama por justiça a qualquer custo, o que constitui uma pressão não só sobre os policiais, os agentes da Lei Seca e o governo, mas sobre a própria constituição que, apesar de ser avançada (não possui pena de morte, por exemplo) ainda não é suficientemente inclusiva.


Conclusão


            Assim podemos refletir sobre a real eficácia de uma Lei que não consegue e jamais conseguirá impedir os acidentes de trânsito em sua totalidade, tendo em vista que é impossível realizar o teste do bafômetro com todas as pessoas que passam pela blitz, ou ainda com todos os condutores de veículos que saem de uma noitada, por exemplo. 

            O iluminismo já havia trazido a premissa de que o indivíduo é um ser racional, logo possui livre arbítrio para tomar decisões e assumir suas responsabilidades decorrentes das mesmas. Nesse sentido, mesmo que o ideal é que haja esforço da sociedade para prevenir o delito, (como pregava o filósofo Giandomenico Romagnosi) visando o melhoramento das condições de vida social, as leis preventivas não podem garantir que o delito não seja cometido. Barrata também enfatiza isso em seu texto, explanando a posição de Francesco Carrara:

            “O delito, como ação, é para Carrara e para a Escola clássica um ente juridicamente qualificado, possuidor de uma estrutura real e um significado jurídico autônomo, que surge de um princípio por sua vez autônomo, metafisicamente hipostasiado: o ato da livre vontade de um sujeito.” (BARATTA, 1999, p.38)

            A Lei Seca, portanto, é uma medida preventiva, que não leva em conta a individualidade das pessoas e a forma como o álcool, em seus diferentes níveis, atua em seus organismos. Determinada quantidade da substância (como, por exemplo, 6mg por litro de sangue) não pressupõe determinada alteração no cérebro, são apenas possibilidades.

            Sem contar que o pagamento de multa como forma de punir o transgressor não garante que o mesmo não repita a ação. Prova disso é que existe a multa por reincidência (que, inclusive, custa mais de três mil reais). Isso faz com que a lei seja insuficiente para aqueles que cometem o crime e, ao mesmo tempo, traz sérios problemas àqueles que não o cometem. 

            O sociólogo Émile Durkheim já dizia que quanto mais restritiva uma sociedade é, mais ela é atrasada. Isso porque uma sociedade muito desenvolvida possui uma consciência coletiva bem elaborada, em que os indivíduos conseguem pensar no bem maior de maneira semelhante. 

            A solução poderia ser a busca de uma conscientização no trânsito. Não somente através das campanhas publicitárias, mas de um real processo de educação que a lei preventiva não dá; ao contrário do que afirmavam a Escola Clássica e a Escola Positivista em seus ideais do Princípio da finalidade ou da prevenção na defesa social.

            “A pena não tem, ou não tem somente, a função de retribuir, mas a de prevenir o crime. Como sanção abstratamente prevista pela lei, tem a função de criar uma justa e adequada contramotivação ao comportamento criminoso. Como sanção concreta, exerce a função de ressocializar o deliqüente.” (BARATTA, 1999, p.42)

            Mas, conscientes de que esta é uma medida de longo prazo, faz-se necessário pensar em algo que tenha eficácia mais imediata, mas que ao mesmo tempo não entre tanto em conflito com o que foi dito neste artigo. Para tanto, poderiam ser buscadas outras formas de avaliar o motorista, que testassem reflexos e agilidade, que, como foi dito, podem ser afetados por outros fatores, não necessariamente substâncias químicas.



Bibliografia:

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O que foi a Lei Seca. Disponível em <http://mundoestranho.abril.com.br/materia/o-que-foi-a-lei-seca> Acesso em março de 2013.
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COSTA, Aldo de Campos. Lei Seca: alcoolemia zero, punibilidade também. Disponível em < http://lfg.jusbrasil.com.br/noticias/80602/lei-seca-alcoolemia-zero-punibilidade-tambem-aldo-de-campos-costa> Acesso em março de 2013.

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