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9 de janeiro de 2013

E a mídia, mais uma vez, nos aponta o culpado...


        A menina Adrielly dos Santos Vieira, de 10 anos, foi vítima de bala perdida na noite do dia 24 de dezembro. Foi então levada ao Hospital Salgado Filho, onde esperou durante 8h para ser atendida. Com a ausência do neurocirurgião responsável pelo plantão na noite natalina, a menina foi transferida para o Hospital Souza Aguiar, onde foi operada, mas não resistiu e morreu quatro dias depois.

       A mídia atualmente é o chamado 4º poder. E isso fica bem claro nesse exemplo: desde a primeira vez que o caso foi noticiado, a culpa recaiu sobre o médico.
E existem diversas formas de fazer isso. A escolha de palavras, a ordem das frases, etc... são coisas que modificam completamente o sentido do texto. Ao falar que “A menina Adrielly esperou 8 horas para ser atendida e por isso morreu na noite do dia 24 de dezembro”, anula-se toda a culpabilidade de outros fatores, e faz com que esta recaia apenas sobre o médico.  Quais são esses outros fatores?

1º)   Em momento algum foi falado da bala perdida, a causa inicial da morte da menina, uma vez que ela nem mesmo teria sido levada ao hospital se não tivesse sido vítima da insegurança constante à que somos submetidos, principalmente pessoas que vivem em áreas de risco. Talvez, mesmo se tivesse sido atendida imediatamente, ainda assim morreria, afinal, foi um ferimento gravíssimo. Porque as investigações não vão nem tocar nesse ponto? Simplesmente porque é “enxugar gelo”. Quando a polícia fala “vítima de bala perdida”, já é justificável que não consigam encontrar o culpado. É bala perdida, não é? Por isso, nem se toca nesse assunto. A polícia trabalha com números, estatísticas. Pra ela, é mais interessante ter o médico preso do que ninguém.

2º)  Não haver outro plantonista no hospital, no caso de o primeiro precisar faltar. É um absurdo os hospitais terem apenas um neurocirurgião de plantão, sem substitutos. É mais uma prova do sucateamento da saúde pública. E mais uma vez isso não é levado em conta. 

Esse sucateamento fica ainda mais evidente, na entrevista com o médico Adão Gonçalves: A minha insatisfação na verdade era com o sucateamento do hospital e, principalmente, com a falta do número mínimo de neurocirurgiões, levando a que eu fosse escalado para praticar cirurgias sem auxiliar capacitado. Se eu nunca pratiquei cirurgias na clínica privada sem uma equipe completa, por que haveria de praticá-las de forma precária na rede pública? O paciente da rede pública merece tratamento pior que o da rede privada? Se essa precariedade prejudicar o paciente, o responsável principal sempre será o cirurgião, e decidi não assumir esse risco. O tipo de cirurgia que pratico é, por definição, demorada e complexa. E se o médico tiver um mal súbito, quem completa a cirurgia? Não tinha mais condições psicológicas para trabalhar dessa forma, sem nenhum tipo de assistente ou estrutura. Desde a aposentadoria do meu colega de plantão no final de setembro, vinha arguindo quanto à possibilidade de substituição dele com o meu chefe de serviço, tanto pessoalmente como por telefone celular, e a resposta era que não teríamos solução a curto prazo. Por último, exerci o cargo de médico-neurocirurgião no Hospital Miguel Couto até 1994 e conheci a burocracia e a demora para se conseguir a exoneração pelos trâmites normais, sem falar do fato de que eu teria que continuar trabalhando no Hospital Salgado Filho até que fosse confirmada a exoneração. Ou seja, continuar a fazer justamente o que eu não sentia condições psicológicas e físicas de fazer e que me levou a deixar o hospital.

O médico reitera o principal problema da rede pública, em especial do Salgado Filho: a falta de pessoal. Também fala das condições de higiene e riscos de infecção, já que os pacientes ficam muito próximos uns dos outros.  

      Ao deixar de focar nesses dois pontos e, através de manchetes, aspas, e uso indevido de termos (como “... fazendo com que a vítima morresse depois de 8 horas de espera”) a mídia tira toda a culpa desses aspectos e faz com que esta recaia sobre uma única pessoa: o médico, que, inclusive, alega que só foi saber que era o plantonista responsável no dia seguinte.

    O médico nos explica que estava querendo ser demitido, e, por isso, havia faltado todos os plantões do mês de dezembro, e que seu superior já estava avisado. Será que não é hipocrisia de nossa parte afirmar que houve omissão de socorro? Me pergunto quantos dos que apontam o dedo para este homem faltaram ou faltariam seus trabalhos na noite de natal. E, ao que me parece, não foi apenas porque era noite de natal, mas por uma causa maior. Aqui, reproduzo mais trecho da entrevista: Médicos são seres humanos comuns, com problemas comuns e ocasionalmente faltam. Se as equipes fossem adequadamente organizadas, com um número suficiente de profissionais, essas faltas não teriam a menor consequência.

     Gostaria de deixar claro que meu objetivo aqui não é defender o médico, mas tentar pensar num sentido diferente do senso comum, que costuma se dar pelo meio mais simples. É muito mais fácil acusar uma pessoa do que fazer uma investigação trabalhosa sobre o sucateamento da saúde no Rio de Janeiro, ou sobre as balas perdidas nos morros cariocas.

    E como é um ciclo, a população, após acompanhar essa enxurrada de notícias que coloca o  médico, e apenas o médico, como responsável pela morte da menina, fica com “sede de justiça”. Pede para que ele seja indiciado, preso... e até morto. Basta ler os comentários nos sites de notícia. A polícia, então, sofre uma pressão não apenas da mídia, mas da população indignada. E por isso, tem mais uma razão para indiciar o médico.

E foi o que aconteceu: http://oglobo.globo.com/rio/caso-adrielly-policia-indicia-neurocirurgiao-por-omissao-de-socorro-7229870. O neurocirurgião foi indiciado por omissão de socorro.








5 comentários:

  1. Aí vem a falsa solução: privatizar. Fazer com que as pessoas trabalhem em uma carga horária maior e com um salário inferior.

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  2. Pois é... As famosas OSs né? "Organizações Sociais". Belo nome, inclusive... tudo pra disfarçar a privatização.

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  3. Muito bom seu texto!!!!!!!!!!!!

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  4. Muito bom o texto gabi, principalmente por se propor a nos levar a um contra ponto, numa sociedade que se diz tão plural, chega a ser bizarro o poder de certas correntes na construção do pensamento coletivo. Porque não escreve algo sobre as privatizações também?

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