Neste fim de semana, o
clima foi de tensão na Aldeia Maracanã, onde fica o “ex-museu do índio”, no Rio
de Janeiro. Apesar de ser um “ex-museu”, é necessário frisar que ainda existem
tribos morando no local. Cerca de 100 índios que fazem seu artesanato e buscam
formas de sobreviver.
Tive a oportunidade de
estar numa manifestação na Aldeia, em Novembro. O local não tem energia
elétrica, nem água. Os índios estão alojados em suas ocas, na parte de trás do
terreno, tentando resistir à desocupação do local. No interior do prédio, fotos
e pinturas marcam as paredes descascadas com um só apelo: deixem-nos
sobreviver. Deixem nossa cultura sobreviver.
O que pude sentir
durante a manifestação foi duas coisas: um paradoxo entre a vontade de lutar, a
força para lutar, e o medo. O grande medo dos índios não era da polícia, ou do
governador, mas de sua imagem. Os índios estão cientes que precisam do apoio da
população para que não tenham seus direitos cerceados mais uma vez. Durante
toda a passeata, a preocupação deles era que não houvesse nada, nenhuma
confusão, nenhum conflito com os policiais, para não dar razão á mídia para
falar mal do movimento. Quando os manifestantes iam pra rua, parte dos índios
fazia coro aos policiais e pedia para que os manifestantes voltassem para as
calçadas. Eles não querem ser mal vistos, não querem ser vistos como um atraso,
algo que vá prejudicar a cidade. Eles querem nosso apoio, e o direito de
permanecer em um local que tem tanta história, tanta memória, tanta cultura.
O que me parece mais
absurdo é a razão para que a Aldeia Maracanã seja demolida. Demolida me parece
um termo pequeno perto da verdade. Prefiro substituir por destruída. Ela é um
patrimônio histórico da cultura indígena, que há mais de 500 anos vem sendo
devastada por aqueles que acham que uma cultura sobrepõe a outra, que a cultura
branca é sinônimo de avanço, enquanto a indígena é sinônimo de atraso. Essa visão, presente em boa parte das pessoas
ainda nos dias de hoje, é o etnocentrismo retrógrado que faz com que, ano após
ano, sejam ensinadas nas escolas o “Descobrimento do Brasil”, como se as terras
brasileiras estivessem desocupadas até então.
A coisa já começou errada. Sérgio
Cabral, quando anunciou a demolição, disse que tinha sido uma exigência da
FIFA, o que foi absolutamente negado pela própria instituição. O governador
disse que “(a demolição), é
necessária para o projeto de modernização do complexo do Maracanã, sendo parte
importante na questão da mobilidade”.
Demolir a Aldeia para construir
um estacionamento (e um museu do futebol) é pegar toda a cultura indígena
existente neste lugar, pisar e jogar no lixo. É reduzir ainda mais a presença
desta no Brasil, e, principalmente, no Rio de Janeiro. E tudo isso por causa da
copa do mundo.
A copa do mundo e as
olimpíadas são mega eventos que estão sendo muito aguardados pelos brasileiros.
Os políticos veem a oportunidade de fazer alianças, roubar ainda mais e ter
seus nomes promovidos, afinal, é claro que tudo vai “dar certo”. Os empreiteiros
estão muito felizes, afinal, todas as obras serão superfaturadas, mas ficarão
lindas, e o brasileiro vai ficar agradecido. O povo está muito contente,
afinal, vai poder acompanhar “de pertinho” todos esses eventos que ele, até
então, só havia visto pela televisão.
Não preciso nem falar
que a maior parte dos brasileiros vai continuar assistindo apenas pela
televisão, já que os ingressos vão ser caríssimos. E que, passados os dois
eventos, as obras vão começar a “apresentar problemas” (como a vila olímpica) e
o dinheiro gasto irá efetivamente para o lixo. Não preciso nem falar que a
população brasileira é a única que fica feliz, pois esquece que tanto dinheiro
poderia ser investido em áreas mais importantes, como saúde, educação, e a
própria cultura.
Faltando
pouco para a chegada da Copa, já com o mascote escolhido, os absurdos começam a
aparecer. Estamos passando, nesse momento, por um processo claro e forte de higienização social. As UPPs, o combate ao crack feito da forma que está sendo, as favelas sendo incendiadas em SP; a
demolição do patrimônio dos indígenas, entre eles a Aldeia Maracanã... Essa
higienização social é, simplesmente, para inglês ver. Aliás, para turista ver.
É assegurar
que os turistas que estão vindo para a copa, e que vão gastar rios de dinheiro
nos hotéis, nas praias, nos ingressos, nos bares e restaurantes, não tenham contato com os “crackudos”, com os favelados, com os "índios retrógrados". Que
eles não corram risco de assalto; que eles tirem da mentalidade dos estrangeiros que o Brasil é uma terra ocupada por índios e mulatas que sambam; que eles tenham aonde estacionar seus
carros bem ao lado do grandiosíssimo estádio Maracanã.
Ao invés de
nossas autoridades se preocuparem com nosso povo, preocupam-se com os
estrangeiros.
Hoje,
há uma expectativa de demolição da Aldeia Maracanã, com consequente expulsão
dos índios que lá vivem. A tropa de choque chegou ao local no sábado e ficou
por cerca de 12h. "Quem mandou a tropa o fez antes de obter autorização
jurídica. Será que a polícia invadiria o local, mas não o fez por conta da
presença das câmeras e autoridades?", foi o que questionou Marcelo Freixo,
coberto de razão.
Felizmente, existem muitas pessoas
mobilizadas. Nas redes sociais, o compartilhamento e apoio aos indígenas vêm
sendo grande, como ficou provado com os guarani- kaiowá. Precisamos fazer com
que essa resistência seja cada vez maior. Quanto mais a população se colocar na
linha de frente e lutar pelos índios, menos as autoridades vão poder passar por
cima destes. De 100 índios da Aldeia Maracanã, precisamos nos tornar 100 mil.
Não podemos deixar que os índios aqui pertinho, na Aldeia Maracanã, tenham sua
terra desapropriada. Assim como não podemos deixar que Belo Monte seja
construída, que os Kaiowá continuem morrendo.
Pouco entendo das questões
jurídicas, mas entendo das questões humanas, e o que está sendo feito com
os índios no nosso país é, no mínimo, desumano.
Gabi, a situação dos índios aqui é triste mesmo. Mas será que esse apoio via - redes sociais é válido? Fico me perguntando isso.....
ResponderExcluirO que nós podemos efetivamente fazer pra ajudar a causa??! Desejo vibrações positivas pros índios da Aldeia e que nada aconteça com eles.
Oi,
Excluirli recentemente uma matéria da Eliane Brum (sou fã!!) justamente sobre essa questão do apoio via rede sociais (caso guarani kaiowá). Vou passar o link aqui, caso você tenha interesse em ler: http://revistaepoca.globo.com/Sociedade/eliane-brum/noticia/2012/11/sobrenome-guarani-kaiowa.html
Apesar de não ser suficiente, acho que é sim uma forma de protesto, o chamado "ativismo de sofá". A questão é quando esse ativismo não sai do sofá mesmo existindo possibilidades para que isso aconteça. Por exemplo, estar acontecendo uma manifestação aqui do lado, na Aldeia Maracanã, e a pessoa em casa sem fazer nada, mas com o apoio no facebook. É uma questão complicada. Eu diria sem pestanejar que a manifestação na rua surte mais efeito do que na internet, mas sinceramente, não sei mais. A mídia dá tanto valor pras redes sociais, as próprias empresas e o próprio governo, que as vezes o ativismo de sofá tem efeitos gigantescos. Mas sinceramente não tenho muita certeza de nada. Na dúvida, façamos os dois! heheh.
Ps: Nossas vibrações positivas deram certo, o MPF impediu a demolição ontem. :)
Bjs